Desde os primórdios, os homens já contavam suas histórias por meio de gestos, arte rupestre, etc. Talvez fossem verdadeiras, talvez não. Mas, de qualquer forma, passavam sua mensagem. Só que se, hoje, eu saísse pintando as paredes por aí, provavelmente, seria preso. Então, faço desse blog minha caverna. Sejam bem-vindos.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Mil anos de dor...


Estava sentado naquele velho banco. Pontual como sempre. Apoiava as duas mãos trêmulas sobre uma comprida bengala envernizada. Trajado com um belo terno, aquele senhor - alguns diziam ter 1000 anos, dos quais só 89 constavam nos documentos -  olhava para o nada. A garoa fina caia, o sol refletia nas gotas que escorriam sobre o tecido levemente azulado. 


Tinha como ritual diário, a observação da praça. Ficava durante horas, analisando cada centímetro, planta por planta, pedra por pedra. Na verdade, conhecia aquilo tudo melhor que os próprios canários que cantavam todos os dias incessantemente. Tinha a pele clara, já enrugada. Mas, apesar da idade, se via um homem bonito e muito vaidoso. Cruzava as longas pernas de modo refinado. Esteticamente estava sempre impecável. 


Não tinha amigos, pelo menos, não vivos. Os únicos que conhecia eram amigos de sua falecida esposa. Ela já havia morrido há 10 anos. E com ela a felicidade daquele homem. Não tiveram filhos, não pela falta de vontade, contudo, por que ele era estéril. Ele lembrava de sua amada todas as vezes que ia até aquela praça. De fato, não tinha como não lembrar, já que, ela havia morrido naquele local. Tinha sido assassinada. A pergunta que todos faziam era por que uma mulher tão bela, amável, fiel, ou como a definiam, digna de perfeição, teria sido sufocada até a morte. Nada respondia. Ela foi covardemente asfixiada. Pelo que diziam os policiais, foi pega de surpresa. Não tinha marcas de reação da vítima, o que intrigava mais ainda. Desde a morte daquela mulher, este homem, hoje, um senhor sentado no banco, sofria infinitamente. 


Recordava de como ela fora grande esposa e profissional bem-sucedida. Como era o orgulho de muitos, e objeto de inveja para alguns. Porém, mesmo invejada, não cultivava inimigos. Uma lágrima descia agora pelo rosto do velho. Muitos diziam que era arrependimento de não ter dado a única coisa que faltou aquela mulher, um filho. Outros diziam que chorava por querer morrer logo, e, assim, encontrar-se com ela. 


Mas, o real motivo de seu choro, era o puro arrependimento. Remorso por ter matado brutalmente o único e verdadeiro amor de sua vida. Por alguns anos tentou justificar para si o ato, tentando encontrar defeitos, traições, momentos em que sua mulher lhe faltou com as obrigações. De nada adiantou. Foi motivado por ciúmes. Sentia-se inferior diante de tantas virtudes de sua parceira. Tinha assassinado um anjo por invejar as suas belas asas. Sua vontade era morrer ali mesmo, naquele instante. Entretanto, não teria coragem de se matar, sempre foi um covarde. E exames indicavam uma saúde de ferro. Não tinha, sequer, uma simples gripe há exatos dez anos. Fato que atribuía a uma punição divina pelo pecado de ter dado fim à vida de uma criatura inocente. Cada segundo que passava parecia um dia. 


Talvez não estivessem tão equivocados os que acreditavam que ele tivesse mil anos. Mas, nesse caso, todos de dor.

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