Desde os primórdios, os homens já contavam suas histórias por meio de gestos, arte rupestre, etc. Talvez fossem verdadeiras, talvez não. Mas, de qualquer forma, passavam sua mensagem. Só que se, hoje, eu saísse pintando as paredes por aí, provavelmente, seria preso. Então, faço desse blog minha caverna. Sejam bem-vindos.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O lugar onde era proibido sorrir



O ano é de 2150, os problemas são diversos. A economia ia de mal a pior. Já que em 2085 um surto de corrupção tinha acabado com as finanças mundiais. Não existiu país que não ficou arruinado. Agora, permaneciam, somente, duas classes sociais. Os muito ricos e os sem nada. Os recursos naturais também haviam sumido. Ou melhor, sido gastos. Exploraram toda e qualquer substância extraída da natureza que pudesse dar lucro. Na vã esperança de salvar as finanças terráqueas. Isso aconteceu em 2100, 15 anos depois da grande crise. Dessa forma, tudo que fosse relacionado à natureza era imprevisível. Temperaturas que variavam do negativo ao mais forte calor do deserto, furacões diários, terremotos na mesma intensidade, tsunamis que fariam as do início do século XXI ser chamadas de marola. Se não me engano, há muito tempo, certo presidente do Brasil se referiu a uma crise financeira mundial como marola. E, realmente, aquela foi perto das que viriam. Porém, o pior não era esse compilado de problemas pelos quais passava o mundo.
Uma lei internacional – decretada em 2101 – dizia que, já que passávamos por uma situação horrível (alguns diziam que era o Apocalipse), ninguém poderia expressar felicidade, ou usar artifícios que a despertassem nos outros. Sim, estávamos fadados a uma vida sem um único sorriso, sem alegria alguma. Argumentavam os líderes não haver motivo para se ser feliz, logo, os que fossem, estariam debochando da situação do planeta, ou seja, crime. A sentença era a pena de morte. Ninguém cumprimentava ninguém nas ruas, as famílias já não conversavam mais – a não ser assuntos sérios, muito sérios – não existia mais música, cinema e teatro. Claro, menos as letras que falavam de dor, os filmes de drama e as peças de tragédia. Tudo era cinza, até quando o sol aparecia imponente perto do almoço, sempre depois do inverno matinal. Alguns rebeldes até tentaram revolucionar. Uma vez um protesto de 200 pessoas saiu às gargalhadas nas ruas. Eles riam alto em frente aos órgãos públicos, contavam piadas e , acreditem, faziam cócegas uns nos outros. Foram todos fuzilados. Triste, mas era isso que queriam os poderosos. Os mais boêmios, aqueles que viviam em bares chorando, os moradores de rua (agora, 60% da população), esses sabiam de um lugar secreto. Chamavam de “Beco da Airgela”. Nome difícil para quem não está acostumado a pronunciar. Mas se prestasse bem atenção na segunda palavra que denominava o local e a lê-se de trás para frente, entenderiam o seu significado. Como já devem imaginar, é um local ilegal onde se vende alegria. Felicidade na sua mais pura essência.
Certa vez um amigo que foi ao lugar, contou-me como funcionava. Segundo ele, no momento em que ia entrando pela viela, um menino o abordou e disse: “Ei, parceiro! Posso te vender uns “baratos” aqui.”. Ao que o homem respondeu: “E o que você tem?”. O menino olhou diversas vezes para os lados, como se estivesse com medo das autoridades, mais conhecidos por DORR ( Delegacia de Operações Repressora de Risadas). O menino abriu o longo casaco que usava e tirou um livro de humor antiguíssimo, mas muito antigo mesmo. De um tal Jô Soares, dizem que era humorista século passado. Esses materiais velhos de colecionador eram os únicos que a DORR não tinha queimado ainda. Em seguida mostrou um livro de piadas. Na capa divulgava: “As melhores piadas de papagaio, português e médico!”. O livro estava na sua 4ª edição. O homem perguntou quanto era, ao que o meninos disse que aqueles estavam todos 100 dólares. O rapaz perguntou se o traficante de felicidade não tinha algo mais pesado, com muito cuidado, repetiu a frase trocando “pesado” por “engraçado”. O menino mais uma vez olhou desconfiado para os lados, e disse: “Tenho esses, mas, já aviso, são caros!”. Tirou para fora dois filmes. Um de um homem, que acredito ser mudo, já que não se ouvia nada em seus filmes, mas de certa forma era engraçado. Um fulano, cujo segundo nome era Chaplin, se não me falha a memória. O outro era uma única cena comédia, feita por um amador chamado Chico Anísio. Foi aí que o menino, mostrando as mãos ao homem, perguntou: “Posso te fazer cócegas também. Mas, são 500 dólares. Quer?”. Meu amigo ficou com medo de ser pego pela DORR, então, recusou a proposta e foi embora do “Beco da Airgela”. 
Não sei mais como vai ser daqui pra frente, mas me pergunto todos os dias por que deixaram a situação chegar nesse ponto. É tão trágico, que chega ser engraçado. Claro, se achar graça não fosse crime atualmente.