Desde os primórdios, os homens já contavam suas histórias por meio de gestos, arte rupestre, etc. Talvez fossem verdadeiras, talvez não. Mas, de qualquer forma, passavam sua mensagem. Só que se, hoje, eu saísse pintando as paredes por aí, provavelmente, seria preso. Então, faço desse blog minha caverna. Sejam bem-vindos.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Maníaco Virtual

O dia já estava amanhecendo. Cristina ainda não tinha saído da frente do computador. Havia começado a frequentar salas de bate-papo há dois meses. Passava as madrugadas na internet, estava cadastrada em todos os sites de relacionamento possíveis. Mas precisava arrumar “alguém”, como ela mesma dizia. 33 anos, solteira, morava sozinha, teve poucos namorados. Tinha os cabelos negros, olhos profundos e olheiras acentuadas. Mordia os lábios incessantemente, mania que denunciava sua ansiedade. Comia um pedaço de pizza, já era de praxe, um dos motivos para estar acima do peso. Não muito, mas o suficiente para se sentir rejeitada pela classe masculina. Apesar da timidez, era uma mulher doce. Tratava a todos igualmente, desde o porteiro do seu prédio até seus clientes. Ela fazia sites para empresas, algumas delas grandes. Nos últimos meses, o que mais fazia, quando estava conectada, era conversar com pessoas, ou melhor, possíveis pretendentes. Neste momento, conversava com alguém. O homem dizia se chamar Roberto. Ela estava gostando da conversa, ele já havia lhe pedido uma foto. Parou por alguns instantes para ouvir o que o noticiário no rádio informava. Após a trilha, entra o locutor, ainda sem muitas informações, com uma notícia urgente.

Mais uma vítima do Maníaco Virtual. Um corpo foi encontrado nesta madrugada de quarta, estava totalmente esquartejado. A polícia suspeita que seja mais um crime do chamado maníaco virtual. Ele atrairia suas vítimas pela internet. Voltaremos com mais informações.

Cristina terminou de escutar a notícia, mas não deu muita bola. Roberto continuava a “falar” com ela. Ele estava tentando convencê-la a encontrá-lo. Os dois sairiam para jantar em um restaurante próximo a casa dele. Cristina ficou pensativa, não sabia se aceitava. Roberto continuou insistindo. Ela cedeu. Estava marcado: jantar às 21 horas no Restaurante Boulevard. Era um bom restaurante. Estava sempre cheio, Cristina não viu problema na proposta.
Despediu-se de Roberto e foi tomar um banho. Passaria a tarde fazendo um trabalho. Estava saindo do chuveiro quando escutou a campainha tocar. Era o Sr. Alfredo, o vizinho da frente. Um velhinho simpático que, por causa da idade, esquecia sempre de comprar algumas coisas. Dessa vez fora café. Veio pedir um pouco para Cristina, que, como sempre, atendeu o pedido. Sempre educada, tratava-o muito bem, como, aliás, sempre tratava a todos. O homem foi embora e ela foi terminar de se vestir. Passou a tarde toda daquele dia fazendo o site encomendado. Terminou próximo das 18h. E, logo, começou a se arrumar para o encontro com Roberto. Usava um vestido simples, preto. Escolheu o sapato, da mesma cor, que mais gostava. Os cabelos soltos. No caminho até o restaurante, escutou mais algumas coisas sobre o crime da madrugada passada. Estavam todos comentando sobre o Maníaco Virtual – que de virtual não tinha nada – e seus crimes absurdos. Ele atraia suas “presas” por meio da internet, a maioria pessoas solitárias, que vivem sozinhas, homens e mulheres. Após matar, sempre por meio de veneno na bebida, esquartejava suas vítimas. Todas eram encontradas dentro de uma mala preta. Com um cartão preto que dizia: “Eles querem atenção, eu lhes dou”.
Cristina chegou ao lugar. Viu um homem baixo, com um princípio de calvície, usando óculos. Tinha os olhos grandes e fixos. Fazia movimentos rápidos. Mas claro que não poderia ser Roberto, ele havia mandado uma foto de uma pessoa muito diferente. Ela se aproximou e ele se apresentou. Como primeira reação, Cristina ficou um pouco irritada. Ele pediu que ela sentasse e explicou que tinha mandado uma foto que não era dele e trocado o nome por que ficou com medo que ela não gostasse. É verdade, o nome dele não era Roberto, mas Júlios. Cristina ficou com um pouco de medo, porém continuou com o homem. Ele foi muito agradável. Riram bastante até o final do jantar. Quando estavam saindo em direção ao carro de Cristina, Júlios pediu para que ela fosse até a casa dele. Ela hesitou, ele conversou mais um pouco, e ela acabou indo. Ele morava em um prédio no centro. Convidou-a para subir. Os dois saíram do carro, ele morava no último andar. Era músico. Seu apartamento servia como um estúdio profissional. Todo à prova de som. Cristina ficou sentada no sofá; enquanto isso, Júlios foi buscar um vinho que insistia que a mulher tomasse. Largou as taças em uma mesinha que ficava na sala. Saiu rapidamente de novo, disse que ia buscar uma coisa. Cristina ficou sozinha na sala, bebeu um pouco do vinho. Levantou-se e começou a caminhar pelo lugar. Estava mexendo em uma prateleira quando viu um material suspeito. Júlios tinha uma coleção de DVDs pornográficos. Eram estupros, zoofilia, pedofilia – todo o tipo de coisas abomináveis que se possa imaginar. Júlios voltou neste momento. Perguntou o que Cristina estava fazendo. Uma garoa fina começou na rua, os pingos escorrendo pelas janelas. Júlios tinha apagado a luz da sala, deixando acesa uma única luz da peça ao lado – um toque sinistro àquele momento. Ele repetiu a pergunta, agora em um tom mais agressivo. Cristina, nervosa, respondeu: “Só estava vendo umas coisas. Olha, eu tenho que ir.” Júlios gritou, dizendo que ela não iria a lugar algum. Agora ele bebia o copo de vinho todo de uma vez, caminhava de um lado para o outro. Cristina se afastava, como se esperasse alguma coisa acontecer, algo que parasse o homem. Júlios estava enfurecido, parecia tomado por alguma coisa. Colocou as mãos sobre a cabeça, encarou Cristina. Correu com fúria em direção a ela.
O dia já estava amanhecendo. Cristina está, ao computador, em casa. Ainda com o vestido preto, fala com alguém. No rádio ligado, o locutor começa a falar.

A polícia acha mais um corpo esquartejado. Júlios Henrique Werlang, de 42 anos, foi encontrado em seu apartamento, no Centro da cidade. A perícia diz que seria impossível escutarem alguma coisa, já que as paredes do apartamento eram à prova de som. Ainda serão feitos exames, mas os polícias, que encontraram taças de vinho no local, acreditam que ele foi envenenado. Suspeitam que seja mais um crime do Maníaco Virtual. Se for comprovado, seria o sexto caso em dois meses. Ainda procuram pelo assassino.  Voltaremos com mais informações.

Cristina se despede de quem falava com ela. Seu nome: Flávia. Haviam marcado um encontro. Cristina desliga o computador, pega os sapatos pretos nas mãos. Encontra seus olhos em um espelho logo à frente. Olhando para si mesma, de maneira irônica, com um sorriso no rosto, conclui em voz alta: “Eles precisam de atenção, eu lhes dou”.

2 comentários:

  1. Gostei muito! Queria chegar logo no final pra saber a verdade.
    Continua a postar que eu continuo a ler.
    Abraços

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  2. Obrigado, Carol. Mas tu é minha amiga, não vale. Brincadeira, é uma honra. suhaushuahsuh

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